Eles cresceram numa época de barbas compridas e saias longas, na
qual o cheiro de incenso se misturava ao de maconha e era "proibido
proibir". Hoje, com filhos adolescentes, muitos pais da geração 68, vivem em
conflito: não sabem se permitem o uso da erva - afinal, muitos deles
fumavam - ou se proíbem, admitindo que são radicais quando se trata de impor
limites dentro de casa. No caso do sociólogo Rubem César Fernandes, por
exemplo, o dilema ainda não foi completamente contornado. O coordenador do
Viva Rio diz que procura conversar com os filhos de 15, 16 e 22 anos, mas
não é taxativo para impedir o uso de baseados pelo trio.
- Não proíbo que eles fumem maconha. Tento convencê-los a não
fumar, tento argumentar que a maconha hoje está associada a outros
problemas, como o tráfico, que gera a violência que eu tanto combato. Mas o
problema é que todos os jovens hoje em dia passam pela fase da maconha. Se
seu filho não fuma, os amigos fumam. Como pai, minha opção é conversar - diz
Rubem, cujos filhos estudam na Escola Parque.
Rubem César reconhece que ele mesmo já fumou diversas vezes. Porém,
vê diferenças entre usar a Cannabis sativa atualmente e na época em que ele
era jovem:
- Na minha época, a maconha estava associada à contracultura, a
fazer amor, eu fumava em Nova York. Hoje, está associada ao tráfico do
morro, que pode levar à morte. Não consigo mais ter uma relação legal com a
maconha. Faço de tudo para que meus filhos não fumem, peço mesmo, não pela
maconha em si, mas pelo perigo associado.
Até mesmo em casas onde a descriminação da maconha é defendida
abertamente, como a do deputado Carlos Minc, há polêmica quando se trata de
um adolescente acender um baseado. Minc garante que seus dois filhos, de 19
e 16 anos, não fumam, mas conta que já entrou em casa e sentiu o aroma
inconfundível da maconha vindo do quarto do primogênito:
- Meus filhos gostam de luta livre, de açaí e de guaraná. Mas
vários amigos deles fumam maconha. Já aconteceu de eu pegar os colegas do
mais velho fumando. Eu disse que não permitiria na minha casa. Uma coisa é
achar que o consumidor não é criminoso. Outra é estimular o jovem a fumar
maconha. Eu procurei conversar, falei que eles eram novos demais, que
maconha atrapalha a memória. Não expulsei os meninos, não chamei a polícia
nem os pais deles. Acho que o melhor método é conversar.
A discussão sobre como lidar com os filhos que fumam maconha é tão
delicada - sobretudo agora que os meninos expulsos da Escola Parque podem
ter que depor no Ministério Público - que até mesmo estudiosos da Cannabis
sativa, como o professor de Literatura da UFRJ, Deo Pastos, são reticentes
ao comentar sua atitude pessoal em relação à droga. Autor do livro "O fino
da erva", no qual mostra desde o surgimento da maconha até a legislação de
outros países sobre drogas, Deo se recusou a dizer se o filho, hoje com 22
anos, experimentou maconha na adolescência:
- Se eu dissesse que meu filho fuma, ele ficaria estigmatizado. Se
dissesse que não fuma, não acreditariam porque escrevi sobre maconha.
Falando em tese sobre o problema, Deo diz que a melhor solução é
conversar:
- É preciso explicar que a maconha afeta a memória imediata. Se o
menino fumar antes da prova de matemática, vai ser um desastre. Também é
importante não fechar as portas da casa para o filho que fuma. Na rua, ele
fica exposto a traficantes e policiais.
Para evitar a proximidade com o tráfico, o psicanalista X., que
prefere não se identificar, permite que os filhos, de 18 e 20 anos, fumem
maconha, mas somente a fornecida por amigos e dentro de casa:
- Cheguei a conclusão que não posso proibi-los de fumar maconha se
eu mesmo fumo. Mas impus alguns limites. Eles não podem ter contato com o
comércio de drogas nem fumar na rua. Não quero que sejam achacados por
policiais.
Professor de História em vários colégios particulares antes de
entrar para a política, o deputado Chico Alencar (PT) conta que já enfrentou
problemas com alunos que fumavam maconha. Para tentar convencer os meninos a
não fumar antes da aula, Chico argumentava que, embora gostasse de cerveja,
não bebia antes de ir para a escola. E que, por isso, também não queria que
seus alunos fumassem antes de assistir às aulas.
- Eu falava que antes da minha aula não podia fumar e acho que
respeitavam. Mas a maconha era uma questão pontual, um ou outro aluno
fumava. Hoje quase todos os jovens fumam - diz Chico.
Dentro de casa, Chico, que tem quatro filhos, entre 7 e 19 anos,
tem uma atitude radical:
- Se meus filhos fumassem, eu não iria dar uma de moderninho. Iria
ficar chateado, dizer que não iria tirar da delegacia se um deles fosse
pego. Sou de uma geração de esquerda em que fumar maconha era visto como
desbunde. Por isso, sou ortodoxo. Não quero ver meus filhos com maconha -
diz Chico, que garante que seus filhos não fumam.
A mesma experiência não teve a advogada P. Sua filha, M. de 16
anos, começou a fumar maconha no ano passado. Ela não contou à mãe, que só
descobriu por acaso. Ao procurar uma caneta no quarto da menina, P.
encontrou um saco plástico com maconha no fundo da gaveta da filha.
- Meu mundo caiu quando descobri que minha filha fumava maconha. Eu
fumei algumas vezes quando jovem, mas minha filha vive em época diferente.
Quem fornece a maconha é um garoto armado, não mais um colega da escola ou
da faculdade. Entrei em crise, achei que estaria sendo hipócrita ao proibir
o que eu já havia feito. Mas optei por impedir mesmo. Não sei se minha filha
fuma fora, mas sei que ela não traz mais maconha para casa. Sempre que
posso, revisto suas bolsas.
A professora J., com uma filha de 15 anos, diz não precisar
revistar o quarto da filha, que conta tudo que se passa:
- Ela diz que não fuma e acredito. Mas há algumas situações que me
espantam. Ela viajou para a casa de uma amiga e contou que há um pote com
maconha e papel para enrolar na mesa da sala. Os pais, a filha de 15 anos e
os irmãos mais velhos usam. Não quero ser moralista, mas acho que isso já é
um exagero.
E o que pensar na possibilidade de uma série de problemas sociais e psiquiatricos descritos em casos que vi com o uso a longo prazo em viciados mesmos. Tudo que se escancara perde a graça porque perdi gente querida por escancarar e ficar desmedido ...